Caso Samarco: MPF recorre de decisão judicial que prejudica a coletividade de atingidos

25-10-2020 – Afolhaonline.com

O Ministério Público Federal (MPF) recorreu de decisão proferida pelo juiz substituto da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte nos autos da ação civil pública que trata do desastre do rompimento da barragem de Fundão, de propriedade da mineradora Samarco, empresa controlada pela Vale e BHP Billiton. No próximo dia 5 de novembro, a tragédia completa cinco anos.

No recurso, procuradores da República que integram a Força-Tarefa Rio Doce pedem que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região decrete a nulidade de todos os atos processuais praticados nos autos 1016742-66.2020.4.01.3800, preservando, porém, a continuidade do pagamento de indenizações aos atingidos do município de Baixo Guandu/ES, eis que a interrupção desses pagamentos resultaria na causação de ainda mais danos a pessoas que foram equivocadamente induzidas à aceitação dos efeitos práticos da decisão.

Os fatos narrados na petição do MPF tiveram início em abril deste ano, quando nove moradores da cidade de Baixo Guandu, orientados por uma advogada, registraram em cartório uma autointitulada “Comissão de Atingidos de Baixo Guandu”. Seis dias depois, em 29 de abril, essa “comissão” enviou e-mail à Secretaria do Juízo da 12ª Vara Federal solicitando o protocolo de “petição inicial”, para tratar especificamente de indenizações aos atingidos daquela localidade. Rapidamente, em apenas cinco dias, o juiz aceitou o pleito, e, na decisão de recebimento, reconheceu a legitimidade (extraordinária) formal e material da “Comissão de Atingidos de Baixo Guandu” para formular pretensão coletiva em nome e no interesse de todos os atingidos do município de Baixo Guandu/ES.

Para o MPF, essa foi a primeira irregularidade processual, pois o grupo de nove pessoas não possuía legitimidade para representar toda a coletividade de atingidos daquela localidade.

Constituição irregular – O MPF destaca que a constituição e instalação das comissões locais de atingidos não se dão por meio de registro de ata em cartório por alguns poucos atingidos: elas devem resultar de um processo de construção coletiva, que obrigatoriamente tem de ser acompanhado pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos, entidade contratada especificamente para essa finalidade. É o que determinam as cláusulas de acordo homologado pelo próprio Juízo da 12ª Vara Federal, as quais, exatamente em consequência dessa homologação judicial, têm força cogente, não podendo ser ignoradas por quem quer que seja – réus, partes ou o próprio Judiciário.

Esse acordo também previu que as comissões devem possuir um regulamento, que deverá dispor sobre limites, prestação de contas e critérios das despesas, com o conhecimento e anuência do Ministério Público e da Fundação Renova. No entanto, a autodenominada “Comissão de Atingidos de Baixo Guandu”, além de constituída irregularmente, não dispõe de qualquer regulamento que estabeleça as regras internas de funcionamento.

“Os nove (09) atingidos que concederam procuração à advogada que subscreve a petição inicial desta liquidação não compõem uma associação. Essas pessoas se autointitularam ‘Comissão de Atingidos’ à revelia do TAC-GOV, e, apenas alguns dias antes de apresentarem a petição inicial (em 23.04.2020), foram ao cartório de títulos e documentos e registraram um documento declarando suas intenções”, explica o MPF, para lembrar que, ao dispor sobre a criação das comissões de atingidos, o acordo objetivou assegurar “a participação de todas as pessoas atingidas na governança do processo de reparação integral, exigindo-se que todas as reuniões sejam amplamente divulgadas de forma antecipada, além de abertas à participação de qualquer pessoa atingida”.

O que aconteceu, porém, é que o juiz substituto da 12ª Vara Federal negou vigência às normas impostas pelo TAC, pois, quando outros atingidos de Baixo Guandu ficaram sabendo do que estava ocorrendo e pleitearam habilitação para participarem das discussões, ele indeferiu o pedido, decretou sigilo aos autos e ainda determinou que as reuniões destinadas às negociações coletivas fossem realizadas exclusivamente com os membros da autodenominada “Comissão de Atingidos de Baixo Guandu/ES”.

O paradoxal, segundo o MPF, é que, apesar de admitir uma “Comissão de Atingidos” criada em total desconformidade com as disposições do TAC-GOV, ao indeferir a participação de outras pessoas, o juiz se valeu de dispositivos desse mesmo acordo, afirmando que o TAC-Gov só autoriza a atuação de comissões de atingidos em processos judiciais.

O MPF, no entanto, afirma que a previsão feita pelo TAC-GOV não diz respeito à atuação judicial, mas sim, exclusivamente, à atuação das comissões de atingidos no âmbito do sistema CIF, a entidade criada pelo acordo para atuar no campo da resolução extrajudicial. Desse modo, “o TAC-GOV não é argumento nem para sustentar a legitimidade da ‘Comissão’ que atua nestes autos, nem para assegurar a sua representatividade perante os atingidos e, muito menos, para excluir a participação de outras pessoas do processo”.

O recurso ainda destaca o fato de os abaixo-assinados apresentados pela “comissão” serem visivelmente compostos por listas desorganizadas, sem especificação do número de signatários e com inúmeras assinaturas repetidas. Tais irregularidades, porém, não foram objeto de questionamento nem por parte das empresas rés, nem objeto de atenção do magistrado.

Para ter acesso à integra do recurso, clique em http://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/docs/2020/agravo-de-instrumento_baixo-guandu.pdf