Ativistas questionam doação de área em Santa Teresa

13-05-2022 – Afolhaonline.com

A doação de 100 mil metros quadrados (m²) de área pública em Santa Teresa foi objeto de discussão em audiência pública da Frente Parlamentar de Conservação da Biodiversidade Capixaba. O processo de passagem da área então pertencente ao Estado do Espírito Santo, em 2010, ao Serviço Social do Comércio (Sesc), foi debatido e questionado pela população, advogados e autoridades. A reunião aconteceu nesta quinta-feira (12), no Plenário Dirceu Cardoso da Assembleia Legislativa (Ales). 

Após ser objeto de contestação por parte do advogado do Sesc, Gustavo Lobo Veríssimo da Silva, o tema da audiência – A contestável doação de 100 mil m2 de área pública em Santa Teresa – foi esclarecido pelo presidente da frente parlamentar, deputado Gandini (Cidadania/ES). 

“Este é um tema bem delicado. Tem de ser amplamente debatido. Nos parece que naquele momento teve carência de discussão. Estamos diante de uma doação que tem investimento do governo federal. De repente, você pega aquilo e doa para um privado. Não falo do Sesc, especificamente. Seja pra quem for. Você pegar um parque com investimento público e doar para qualquer privado é no mínimo… Por isso é contestável”, esclareceu.

Como encaminhamento, o deputado Gandini informou que será atendida a sugestão do Movimento Salve o Parque para realização de uma audiência pública em Santa Teresa e que também serão feitos três pedidos, baseados na Lei de Acesso à Informação (Lai), destinados à Assembleia Legislativa, ao governo do Estado e à Prefeitura de Santa Teresa sobre os atos preparatórios que precederam a lei aprovada pela Ales que autorizou a doação do terreno. O outro encaminhamento é uma visita técnica à área doada e em questão. 

Doação questionada

Para Carmem Barcellos, integrante do Movimento Salve o Parque, o processo de doação da área ao Sesc não foi democrático nem transparente. Para a ativista, o ato foi injusto com a população. O Movimento Salve o Parque foi iniciado em 2013 com intuito de reaver a área doada por meio da Lei 9.606/2010

“Não foi feita uma avaliação do impacto ambiental, social e econômico na construção de um vultoso empreendimento hoteleiro no lugar do parque. Também não foi ouvida a população teresense. É oportuno destacar o evidente desvio de finalidade em prol do bilionário Sistema S”, declarou.

A área de 100 mil m², parte de uma fazenda, foi doada ao governo do Estado na década de 1960 com a condição de que o terreno fosse um bem público e ali fosse preservada a natureza. O doador foi Aurélio Gramlich, proprietário rural no município. 

Rodrigo Barbosa, representante do Instituto Nacional da Mata Atlântica, sediado no Museu de Biologia Mello Leitão, em Santa Teresa, declarou que a área se trata de um fragmento florestal e tem relevância ecológica para o município. Para Barbosa, o parque deve ser preservado e destinado à educação ambiental e pesquisa científica, inclusive podendo gerar oportunidade para os 50 pesquisadores do instituto, que poderiam ter um campo de trabalho para contribuir com o parque.

Processo judicial

O representante do Sesc, advogado Gustavo Lobo Veríssimo da Silva, disse que a entidade é apenas donatária da área. Argumentou que o projeto está sendo deixado de lado na atual situação e nem é conhecido e convidou a população a conhecer a proposta. O advogado disse que, conforme a Justiça, a doação não tem nenhuma irregularidade, nenhuma ilegalidade e que é um ato jurídico perfeito.

“Como donatário, ele recebeu a área com incumbências estabelecidas no instrumento de doação. Foi uma doação com encargos. Com uma ocupação de menos de 90% da área, onde o restante será utilizado para educação ambiental e para preservação”, defendeu Lobo. 

O advogado ainda questionou as manifestações daqueles que estão contra a doação do terreno ao Sesc. “Essa pedra está sendo jogada numa direção onde, na verdade, deveria olhar o início desse ato [de doação]. Muitas vezes, esses questionamentos são feitos sem ao menos se olhar os projetos, os documentos e as questões que são levantadas. Se esse ato não foi colado à prova pela própria Justiça, qual é a irregularidade? Mostrem a irregularidade”, desafiou.

A advogada da ação popular contra a doação do parque ao Sesc, Giovana Fidalgo, discordou de Lobo, explicando que a ação é contra o ato ilegal. Conforme a advogada, não foram considerados alguns instrumentos legais e nem a vontade do doador original, Aurélio Gramlich, inclusive a lei de licitação. 

“O juiz entendeu parcialmente, ou seja, que não poderia se desviar da finalidade mantendo o parque e a casa. Só que ele julgou tudo junto, com o ato ilegal. Discordo do meritíssimo juiz da causa, data máxima vênia, e a gente está em fase de recurso. Essa sentença não transitou em julgado. É um ato que não é jurídico perfeito porque pode ser anulado na segunda ou terceira instância. A sentença está suspensa por causa dos embargos declaratórios”, informou a advogada. 

O gerente Patrimonial Estadual da Secretaria de Gestão e Recursos Humanos (Seger), Rafael de Oliveira Fontes, declarou que desconhece o processo antes da publicação da Lei 9.606/2010, aprovada pelo Legislativo estadual, instrumento de doação do terreno ao Sesc. 

Diálogo

Já o ex-presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB de Santa Teresa, Pedro Domingues, ressaltou que o parque, do ponto de vista do direito coletivo, é essencial para a população de Santa Teresa. Ele criticou a postura do advogado do Sesc, que deu a entender que está tudo bem, dentro da lei, e cobrou diálogo e cooperação.

“Se você tem um parque verde, com uma mata secundária e uma mata terciária grande, se você tem um espaço como esse, que impacta o dia a dia de uma cidade pequena, mas muito importante para o turismo ambiental do Espírito Santo, e realiza um ato de doação sem nenhum tipo de audiência pública, sem estudo de impacto ambiental, de impacto hidrossanitário, de impacto de vizinhança, sem nenhum modelo de pesquisa sobre a opinião da população, nada”, enumerou o advogado. 

O então presidente da OAB de Santa Teresa à época da doação do terreno, Apolônio Cometti, defendeu que a questão não deve ser resolvida no âmbito jurídico, mas pelas autoridades políticas.

“É uma questão de natureza sociopolítica. Tem que ser resolvida pelas autoridades políticas e pelo próprio Sesc. Ele já deve ter percebido que ele não será bem-vindo à cidade por essa forma que aconteceu a doação. Tanto o Sesc como o Estado têm um compromisso ético com a sociedade, não podem fazer coisas que desagradem a população”, avaliou Cometti.

Na fase de participação do público, vários cidadãos de Santa Teresa fizeram uso da palavra, reafirmaram a importância do parque para a cidade e cobraram esclarecimentos e solução para o impasse.
Participaram da mesa de trabalho o ex-governador Max Mauro e o engenheiro ambiental do Sesc André Labanca. 

Histórico

A área da antiga casa de campo do governador, em Santa Teresa, foi repassada pelo Estado ao Município em regime de comodato. Em dezembro de 2010 o terreno foi doado ao Sesc, no final da gestão do então governador Paulo Hartung. 

A prefeitura de Santa Teresa estava construindo no local o Parque Temático Augusto Ruschi – Parque Ecoturístico de Santa Teresa – e teve que interromper o funcionamento ao público e as obras em andamento naquele ano. 

Um movimento de moradores do município, tendo à frente o biólogo André Ruschi, falecido em 2016, entrou na Justiça para anular a doação do terreno ao Sesc. Em 2017, o juiz Alcemir dos Santos Pimentel manteve a doação e negou o pedido de responsabilização do ex-governador Hartung e do ex-prefeito de Santa Teresa, Gilson Amaro (falecido). A decisão é contestada pelo Movimento Salve o Parque.